quarta-feira, 11 de março de 2015

Teste de Bechdel: uma metodologia feminista

Uma coisa que a gente vai notando sobre os livros feministas, com o tempo, é que muitos deles carecem de uma metodologia, uma "pegada" científica. Isto não é ruim: basicamente, os livros clássicos costumam lidar com tantas questões simultaneamente, que acabam por não se aprofundar muito em determinados temas. Vejamos o famoso Segundo Sexo de Beauvoir: o primeiro volume abrange desde a biologia até a Literatura, criticando discursos misóginos que perpassam diversas ciências e saberes: marxismo, psicanálise, literatura, entre outros. Isto, só no primeiro volume.

Por um lado, essa análise ampla e diversa tem a vantagem de nos mostrar que o pensamento masculino sobre a mulher tem algumas premissas que estão presentes em múltiplos campos do saber. Por outro, "ciências" tão díspares quanto o marxismo e a biologia são olhados sem pensar as especificidades do funcionamento de cada discurso.

Este blog, apesar de não ter um objetivo revolucionário, tem um objeto privilegiado para sua análise: a indústria cultural. Por ora, vamos tratar essa indústria como "mídia", como um enorme engenho para a fabricação de bens culturais em massa. Essa produção insere a mulher ao menos de duas maneiras: na qualidade de consumidora e na qualidade de produto. Enquanto o homem é interpelado como um sujeito que atua sobre a mercadoria, através da aquisição (compra) e através do uso, a mercadoria, quando vendida à mulher, é apresentada como algo que atuará sobre ela, fazendo dela objeto a ser utilizado, tanto pela mercadoria (que atua sobre ela, modificando-a, tornando-a apta ao olhar masculino), quanto pelos homens que consomem um determinado produto.

Eu não sou a pioneira nesse campo. Feministas que vieram antes de mim já pensaram essa questão, e formularam aparatos teóricos para abordar esses produtos midiáticos. Essas ferramentas muitas vezes estão por aí, jogadas em blogs. A partir de hoje, então, estou me comprometendo a coletar algumas dessas ferramentas, ou conceitos, articulá-las para um uso sistemático, porque aparentemente é algo que capricornianas fazem e me parece divertido.

O teste de Bechdel

Alison Bechdel é lésbica e cartunista, conhecida pelos quadrinhos Dykes to watch out for. Descobri a Bechdel por acaso quando, há algum tempo atrás, eu estava pesquisando mulheres, quadrinhos e zines. Mais tarde foi que, através do canal Feminist Frequency, fiquei sabendo que um episódio dessa trama em quadrinhos tinha se tornado uma espécie de teste para ver se um determinado filme de cinema era minimamente representativo com as mulheres.


As regrinhas são só 3, e são bem simples:

1) O filme, tem, ao menos 2 mulheres?
2) Elas falam entre si?
3) Elas falam entre si sobre um assunto que não sejam... homens?

E como são 3 regrinhas simples, nossa primeira reação é pensar "essa foi fácil, todos os filmes que vi recentemente passam no teste". Então, você procura relembrar a cena em que as personagens conversam entre si. E você se lembra que alguns desses filmes só têm UMA personagem feminina.

Então, apesar da simplicidade, o teste se mostra útil para vermos que as mulheres, na indústria cinematográfica, só estão ali no papel de enfeite. Enquanto homens são representados como seres humanos complexos, interessados em múltiplos aspectos do mundo que os cerca, a mulher tem um único interesse: tornar-se objeto de consumo ajustado ao que o olhar masculino demanda dela.

O teste e seus limites

O teste não foi pensado como uma ferramenta de pesquisa, embora eu pretenda usá-lo dessa forma. E, como foi pensado para olhar o cinema e não, digamos, um seriado, ou um livro, alguns ajustes acabam sendo necessários. Por isso, quando eu usar o teste por aqui (e eu pretendo usar muito), será utilizada uma "forma expandida".

Uma das perguntas que eu acrescendo ao teste é: essas mulheres têm nome? É muito comum, especialmente em videogames, introduzir personagens que conversam entre si sobre algum aspecto da trama, conferindo veracidade à história. E é igualmente comum que elas sejam simples pessoas anônimas, que não sejam personagens em um sentido mais profundo e completo da palavra. O apagamento dos nomes é um aspecto crucial, um procedimento padrão, da objetificação das mulheres na mídia; por isso, considero essa pergunta relevante.

No decorrer de uma série de TV, quadrinhos ou desenho animado, as mulheres provavelmente vão acabar conversando entre si sobre alguma coisa, em algum episódio. Porém, como vou comentar detalhadamente no futuro, às vezes menos de dez por cento dos episódios de uma série passam no teste. Por isso, acho importante aplicar o teste isoladamente em cada episódio, para obter um panorama mais completo.

Outra coisa que eu dispenso é a função fática da comunicação. Diálogos em que não há troca relevante de informação, que não passam de um "oi, tudo bem", não são contados por mim. Estamos buscando a representação das mulheres enquanto seres humanos, personagens que requerem o mínimo de profundidade, e não enfeites de tela.

E, por último, eu faço uma exigência caprichosa: essa conversa tem que durar mais de 30 segundos. Não é pedir demais... OU É?

Conclusão: o teste como eu aplico

Não é muito diferente do original, apenas acrescido de duas perguntas:

1) O produto em questão tem, ao menos, duas mulheres?
2) Elas têm nome?
3) Elas conversam entre si?
4) Elas conversam entre si sobre alguma coisa que não sejam homens?
5) Essa conversa tem mais de trinta segundos?

Esse teste não comprova que um determinado objeto seja feminista. Filmes como Frozen e Valente passam no teste sem dificuldades, mas dificilmente podem ser chamados de feministas. O teste de Bechdel, portanto, é uma verificação mínima sobre o respeito no trato com as mulheres, quando de sua representação midiática.

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